Quando ir à escola é um pesadelo
Há pouco mais de uma semana, as constantes provocações de colegas deixaram à beira da morte uma estudante de 14 anos da Capital. Motivo de comentários depreciativos devido ao formato levemente arredondado de seu nariz, às roupas simples e ao jeito tímido, a aluna tomou uma dose excessiva de antidepressivos. O drama ilustra a dificuldade revelada por famílias, professores e escolas para debelar o bullying, fenômeno que pode resultar em traumas duradouros e até provocar alterações na personalidade.
Como pais, professores e colegas devem agir para prevenir ou abreviar o sofrimento de crianças e adolescentes que enfrentam a intimidação e a violência de outros estudantes
O pesadelo diário de M. (Zero Hora omite o nome para preservar a adolescente) começou há pouco mais de um ano em uma escola pública da região central da cidade. Teve início com um comentário sobre seu nariz, depois um riso debochado sobre o tênis furado, e em pouco tempo a menina tímida mas feliz virou presa de um grupo de colegas sedentos de humilhação pública. As risadas, os dedos apontados e as caricaturas em folhas de caderno viraram rotina.
– Chegou a palhaça da escola – dizia um.
– Nariz de batata – completava outro, e todos riam.
No canto da sala, encolhida, a aluna da 6ª série do Ensino Fundamental sofria quieta. Em casa, queixou-se para a mãe. A exemplo do que ocorre em muitos casos de bullying (violência sistemática e intencional praticada contra um estudante), de início ouviu que não deveria se importar com os colegas.
Quando a mãe percebeu que a garota demonstrava sinais de depressão e revolta, meses depois, procurou a direção do estabelecimento. A resposta foi de que se tratava de “coisa de adolescente”, e nenhuma providência eficaz foi tomada – outro traço comum a muitos casos graves de bullying.
“Mãe, a mana disse que não vai mais viver”
Este ano, o equilíbrio psicológico da menina ruiu diante das chacotas intermináveis. Passou a implorar para a família por uma cirurgia plástica no rosto. Dormia com um prendedor de roupas apertado na ponta do nariz, em uma ilusão juvenil de que poderia remoldar suas feições e, enfim, ter paz.
Abateu-se a ponto de ser necessária uma internação em uma clínica, por depressão grave, durante quase um mês. Quando teve alta e voltou à escola, acreditou que seria poupada. Mas os agressores não tiveram piedade. Quinta-feira da semana passada, a mãe recebeu um telefonema da filha de 13 anos, irmã de M.:
– Mãe, a mana disse que não vai mais viver.
Sem conseguir fazer os colegas engolirem as ofensas, engoliu ela punhados do antidepressivo que vinha tomando sob prescrição médica. Quando chegou em casa, a mãe encontrou M. caída, e o frasco de remédio, vazio. Em uma carta, a estudante havia escrito: “Sofro muito porque sou humilhada e envergonhada pelos meus colegas com insinuações, desenhos maldosos e xingamentos por ter o meu nariz grande. Eu sofro de depressão, já fui internada por causa disso, não tenho vontade de estudar (...)”.
28% dos alunos de 5ª a 8ª já sofreram maus-tratos
Ficou três dias no Hospital de Pronto Socorro sob risco de morrer e teve alta domingo passado. Resume aos prantos os motivos que a fizeram sucumbir ao desespero:
– Começava a desenhar no meu cantinho, para ver se me deixavam em paz. Aí eles diziam que eu desenhava igual a um menino. Então abria o livro e tentava estudar, mas aí ficavam brabos e diziam que eu queria aparecer para a professora. Não sei por que não gostavam de mim.
A solução foi deixar a escola e a Capital. Na quarta-feira, M. retomou os estudos em uma cidade do Interior. Conforme uma pesquisa da ONG Plan Brasil, realizada em escolas públicas e particulares, cerca de 28% dos estudantes de 5ª a 8ª série já sofreram maus-tratos. O casos de violência frequente atingem 12,5% dos meninos e 7,6% das meninas.
Embora a conscientização sobre os efeitos nocivos do bullying esteja aumentando, a tolerância de pais, educadores e alunos que testemunham agressões ainda dificulta a erradicação desse fenômeno. Uma das principais autoridades internacionais no assunto, a portuguesa Ana Tomás Almeida afirma que há um componente cultural a ser vencido.
– Basta dar o exemplo muito conhecido de alcunhas com que as crianças gozam umas com as outras, ou a forma como excluem das brincadeiras as mais frágeis, imaturas ou diferentes. Em alguns grupos culturais, esses comportamentos são olhados com muita condescendência e vistos como brincadeiras – afirma a professora do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho, em Braga, Portugal.
Para estudantes como a adolescente de Porto Alegre que o bullying quase condenou à morte, a brincadeira não tem graça.
Fonte de pesquisa: Zero Hora - Edição N° 16330 - 09 de maio de 2010
Texto: MARCELO GONZATTO
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